Conexão, apoio e progresso: o poder do aquilombamento no ecossistema de inovação
“Eu não tive apoio” — é assim que Bruno Ramos avalia o início da sua jornada como empreendedor. Fundador e CEO da HartB, uma startup de Inteligência Artificial, especializada em Big Data, análise e cruzamento de dados, ele começou a empreender ainda aos 19 anos.
Negro, nascido na periferia, filho de uma emprega doméstica e de um profissional da construção civil, seu primeiro contato com a computação foi na adolescência em um curso de informática. Os conhecimentos em programação vieram alguns anos depois de muitas horas a fio na biblioteca da escola durante o Ensino Médio, onde lia livros sobre o assunto e desenvolvia códigos em um caderno. Também foi nesse período que sua trajetória se cruzou com a de seu professor de matemática e docente de uma turma de engenharia de sistema, que lhe permitia participar de suas aulas na universidade. Foi dessa figura educacional que o então hoje empreendedor recebeu muito apoio na jornada de desenvolvimento técnico, mas é como se aquela fosse a última chancela que vira em anos.
Já no ecossistema de inovação, Ramos viveu na pele muitos dos desafios de um mercado embranquecido e homogêneo: investimentos e espaços negados e viu oportunidades de negócios nunca saírem do papel. Esses obstáculos se assemelham a de tantos outros afroempreendedores, que hoje representam apenas 22,7% dos empresários do ecossistema de inovação*. Eles fazem parte do grupo que mais tem dificuldade em acessar crédito ou captar investimentos, em um cenário em que apenas 9,5% dos fundos da América Latina buscam investir em pessoas negras**.
Apesar disso, a maior dor que empreender enfrentou foi a solitude, hoje suprida pela existência do Black Founders Fund, iniciativa do Google for Startups, que investe recursos financeiros em startups fundadas e/ou lideradas por pessoas negras e conecta afroempreendedores, e que Bruno define como a sua comunidade. “Por muito tempo, o empreendedorismo negro foi muito limitado, existia uma dificuldade muito grande dos empreendedores se relacionarem entre si. Mas quando você tem uma iniciativa que os une, eles começam a pensar em unidade e conseguem se ajudar”, defende o empreendedor, que acredita muito no valor da comunidade.
A dinâmica descrita por Bruno também é conhecida como aquilombamento, um movimento histórico com o propósito de criar oportunidades e um amanhã mais justo, equitativo e igualitário. É a ousadia de se agrupar com os iguais e achar alternativas para as dificuldades ditadas pelo racismo, quebrando barreiras e ainda promovendo um ambiente de encontros necessários e poderosos. E em um ecossistema majoritariamente branco como o de startups, esse movimento precisou ser impulsionado por alguns afroempreendedores.
“Eu sempre tive uma postura muito desbravadora”, conta Vanessa Poskus, CEO e cofundadora da Uppo Brasil, uma startup especializada na criação e gestão de benefícios. Precursora de movimentos de diversidade nesses ambientes, Vanessa se levantou para mostrar a grupos politicamente minorizados que eles podem ocupar lugares em que, estruturalmente, não são vistos. “Sou uma liderança que quer mostrar para mulheres e outras pessoas negras que podemos, sim, estar em espaços majoritariamente brancos e masculinos. É possível chegar onde eu cheguei. Existe espaço para empreendedoras e empreendedores negro”, diz.
O desejo e a inquietude de Vanessa de — figuradamente — hackear o sistema para ver mais pessoas como ela ocupando cadeiras de destaque é impulsionado pelo Black Money, um movimento que, assim como o de aquilombamento, também é histórico e se caracteriza por favorecer os negócios de empreendedores pretos, fazendo o dinheiro circular entre a comunidade.
“A gente pode se ajudar. Às vezes, por exemplo, eu capto um cliente e não consigo atendê-lo por inteiro ou tenho que modificar muito o meu core para conseguir. Mas se eu me uno com outra startup que pode atender a essa demanda, nós conseguimos atender essa corporação juntos. Essas conexões são muito legais e ocorrem em uma via de mão dupla”, explica Vanessa, que também foca em utilizar soluções de outras startups. Ou como bem define Bruno, “é na indicação que você começa efetivamente a se ajudar."
Assim como Poskus, o CEO da HartB também tem se engajado nesse movimento de impulsionar outras startups de iguais, só que através do investimento. "O dinheiro tem um propósito. Ninguém quer ganhá-lo para guardá-lo para sempre, e sim para propiciar melhorias. Meu grande objetivo como empreendedor é esse: poder ajudar. Precisamos nos unir para poder gerar mais receita, ir ao mercado em conjunto e realizar sonhos", defende Ramos.
A visão de que para evoluir era preciso se unir a outras pessoas, dessa vez com a ótica de absorver delas o máximo de conhecimento possível, devolvendo-o quando tivesse a oportunidade, foi adotada desde muito cedo por Fabrício Toledo, CEO e cofundador da Leadster, uma startup que gera e qualifica leads por meio do marketing conversacional. "Meu pai, que é meu principal apoiador em toda a minha jornada, também era empreendedor e foi através dele que tive acesso ao meu primeiro computador. Ele sempre acreditou muito no que eu criava, tanto que o primeiro site dele foi criado por mim", conta.
Da base empreendedora que teve do pai e das conexões da vida com pessoas mais experientes, Fabrício garantiu bagagem para a sua jornada como empreendedor e, mesmo com uma idade inferior a de muitos empreendedores presente no mercado, se destacou ao ingressar na rede de investidas do Black Founders Fund por mentorear outras startups.
“A comunidade do fundo do Google for Startups é muito aberta, vulnerável e humilde para aprender e eu sempre senti muita vontade de ajudar e trazer retorno para o programa, ajudar mais pessoas”, aponta Toledo. “Foi muito natural quando aconteceu, a única coisa que fiz foi trazer um pouco da vivência que eu tinha”, explica.
Além da abertura para as trocas de experiências, Fabrício destaca a importância de ter um lugar seguro para mostrar as suas vulnerabilidades e relembrar que o crescimento é coletivo. "Durante as nossas conversas com outros fundadores negros apoiados pelo Black Founders Fund, tivemos a abertura de compartilhar situações que, por ora, eu nem tinha percebido que se caracterizavam como um preconceito”, comenta Fabrício, que atenta para um problema complexo: o da naturalização da existência do racismo, que no dia a dia se torna corriqueiro, normalizado, mas, ainda assim, gera feridas profundas e desperta o indesejável sentimento de não pertencimento.
“Às vezes, você já está há tanto tempo numa empreitada sozinho, sem apoio, apenas sofrendo pressões, imprimindo ritmos que muitas vezes não são tão saudáveis para você e para o negócio e que te fazem entrar em um modo automático”, relata o empreendedor. “Nessa, ficamos egoístas, dedicando pouco tempo para se relacionar com o outro e se dedicando apenas a você, abandonando a ideia de retornar o seu conhecimento para a comunidade. Mas no Black Founders Fund, nós vemos a todo momento que a jornada não precisa ser ruim e desconfortável. Pode ter troca, significado, podemos dar as mãos para outras pessoas”, finaliza o empreendedor.
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