Um quarto de século de mudanças
Nota do editor: A comemoração oficial do 25º aniversário do Google ocorrerá no final do mês. Para dar início às celebrações, o CEO do Google e da Alphabet, Sundar Pichai, reflete neste texto sobre nosso primeiro quarto de século, e fala sobre as perguntas e os avanços tecnológicos que levaram aos maiores saltos e aos produtos mais úteis da empresa. Pichai também discute as oportunidades que a inteligência artificial (IA) oferece de fazer coisas importantes para a humanidade, em escala ainda maior.
Para todas as pessoas no mundo que usam nossos produtos, para nossos funcionários e funcionárias, e para nossos parceiros:
Este mês, o Google comemora 25 anos de existência. Chegar a esse marco importante é um tremendo privilégio. Essa conquista só é possível graças às pessoas que usam nossos produtos e nos impulsionam a seguir inovando; às centenas de milhares de Googlers, do passado ou do presente, que puseram e põem seu talento a serviço da criação desses produtos; e aos nossos parceiros que acreditam na nossa missão tanto quanto nós.
Este é um momento de agradecer e de refletir.
Tenho pensado muito sobre os avanços tecnológicos dos últimos 25 anos, e como as pessoas se adaptaram a eles. Há muitos anos, quando eu ainda era um estudante nos Estados Unidos, meu pai – que morava na Índia – abriu seu primeiro endereço de e-mail. Fiquei super animado, pois passei a ter uma forma mais rápida (e barata) de me comunicar com ele. Então, decidi mandar uma mensagem.
E, então, esperei... e esperei. Passaram-se dois dias inteiros antes de receber esta resposta:
“Prezado Sr. Pichai, e-mail recebido. Está tudo bem."
Perplexo com a demora e a formalidade, liguei para ele para saber o que aconteceu. Ele me disse que alguém em seu trabalho precisava abrir o e-mail no computador do escritório, imprimi-lo e entregá-lo a ele. Meu pai ditou uma resposta a uma pessoa que a anotou e a digitou para me enviar de volta.
Essa história avança no tempo, e chegamos há poucos meses atrás. Eu estava com meu filho adolescente, ele viu algo que o interessava, tirou fotos, mandou para os amigos e eles trocaram algumas mensagens. Tudo isso aconteceu num intervalo de tempo mais curto do que eu levo pra tirar o celular do bolso.
A comparação entre a comunicação com o meu pai, há muitos anos, e a comunicação do meu filho, hoje em dia, revela o tamanho das mudanças que ocorrem entre gerações. A tecnologia à qual levamos anos para nos adaptar tornou-se algo instintivo para nossos filhos. Ideias que meu pai considerava maravilhas da ficção científica – tais como atender a um telefonema pelo relógio de pulso, ou dar um comando de voz para que o som do carro toque nossa música preferida – deixam meus filhos indiferentes.
Essa indiferença me deixa esperançoso em relação ao futuro. Ela eleva o padrão das possibilidades de inovação e criação para as próximas gerações. Mal posso esperar para ver o que vai deixar meus netos indiferentes.
Uma verdade fundamental de qualquer inovação é a seguinte: no momento em que empurramos para a frente a fronteira de uma tecnologia, ela logo deixa de ser extraordinária para se tornar ordinária. Justamente por isso o Google nunca considera o sucesso como algo garantido.
Tudo começou com uma pesquisa
Nossa missão foi escrita por Larry e Sergey há 25 anos: “organizar as informações do mundo e torná-las universalmente acessíveis e úteis”. Era uma visão ambiciosa, de um novo tipo de mecanismo de busca que ajudaria as pessoas a entender as ondas de informação que circulam pela internet. O produto que eles criaram foi a Busca do Google, que ajudaria bilhões de pessoas em todo o planeta a ter respostas para as mais variadas perguntas.
Durante alguns anos, eu fui um dessas pessoas, e usava o Google como qualquer pessoa que navega pela web. Lembro-me de ter ficado impressionado com a capacidade do Google de encontrar a melhor resposta para as perguntas mais esquisitas, desde um pequeno detalhe escondido na página de atendimento ao cliente de uma loja até uma obscura regra de futebol.
As perguntas que fiz ao Google evoluíram ao longo do tempo: “Como consertar uma torneira pingando?” “O caminho mais rápido para o Hospital Stanford?” “Maneiras de acalmar um bebê chorando?” E por volta da primavera de 2003, talvez: “Como ser um craque em uma entrevista do Google?” E com o tempo, o Google ficou muito melhor em respondê-las.
É muito inspirador observar o que as pessoas fazem com as respostas que recebem. Pode ser encontrar um serviço de saúde ou buscar apoio num momento difícil, aprender uma nova habilidade, mudar de carreira ou abrir o próprio negócio. A ideia de que um estudante numa zona rural da Indonésia possa ter acesso às mesmas informações que um professor de Stanford era revolucionária. Ela mudou, para melhor, a vida das pessoas e o mundo onde vivemos. Ampliou o acesso à educação e ao empreendedorismo, mais do que qualquer outro avanço da história.
A Busca também estabeleceu as bases para que o Google causasse um impacto econômico que vai muito além dos muros da nossa empresa. Nossas plataformas e ferramentas de publicidade partiam de uma premissa tão simples quanto a Busca: ajudar empresas a se conectar com clientes que já estão à procura do tipo de produto ou serviço que o negócio oferece. O apelo era especialmente atraente para pequenos comerciantes, a exemplo do vendedor de lagostas que foi o primeiro a anunciar na plataforma. Também à semelhança da Busca, a possibilidade de que qualquer estabelecimento pudesse fazer anúncios na internet teve um impacto transformador: esse avanço ajudou milhões de empresas a entrar para a economia digital.
Um quarto de século de perguntas
A Busca ainda está no centro da nossa missão e ainda é a nossa aposta mais ambiciosa, com muito mais por vir.
Claro, o Google hoje é mais do que uma caixa de pesquisa. Temos 15 produtos do Google que atendem, cada um, mais de meio bilhão de pessoas e empresas, e seis que atendem mais de 2 bilhões de usuários cada.
Assim como a maioria das pesquisas do Google, esses produtos também começaram a partir de uma pergunta. No caso do Gmail, a pergunta era: “será que a gente consegue oferecer 1 GB de armazenamento para todas as pessoas?”. Quando o Gmail foi lançado, em 2004, o volume de armazenamento oferecido era mais de cem vezes superior ao que outros serviços gratuitos webmail ofereciam!
Alguns anos mais tarde, identificamos a oportunidade de melhorar drasticamente os navegadores da internet – e, como consequência, a própria internet. Foi a gênese do Chrome, também baseada numa pergunta: “Será que a gente consegue criar um navegador capaz de melhorar a internet, de forma simples, rápida e segura?”. Logo antes desse lançamento, eu mesmo tinha uma dúvida na minha cabeça: “Será que as pessoas vão usar isso?”
O YouTube teve a ousadia de perguntar: “E se a gente criasse um lugar onde qualquer pessoa possa compartilhar o que sabe?” Hoje, o YouTube se transformou numa plataforma poderosa de aprendizado e conhecimento.
As perguntas continuaram surgindo, e seguimos aprimorando e ampliando nossos produtos enquanto pensávamos nas respostas: “E se o Google Mapas permitisse ver, em detalhes, todas as ruas do mundo?”, “E se a gente criasse uma ferramenta de tradução para que as pessoas tenham acesso à informação e se comuniquem em diversos idiomas?”, “E se a gente pudesse procurar e encontrar todas as nossas fotos antigas apenas descrevendo a imagem que está buscando?”.
Também nos perguntávamos como aprimorar a capacidade de compartilhar e disseminar nossas ferramentas, nossa infraestrutura e nossos avanços com cada vez mais gente. O Google foi construído na nuvem, desde o início, embora nosso braço comercial de serviços na nuvem só tenha sido lançado em 2008. Atualmente, o Google Cloud é uma das empresas mais usadas por negócios de todo o mundo. Parceiros de diferentes setores usam a tecnologia do Google para melhorar o atendimento a seus clientes e a eficiência da cadeia de fornecimento, para reduzir sua pegada de carbono, para criar novas aplicações e fazer ainda mais com o apoio da inteligência artificial. À semelhança dos nossos primeiros clientes de publicidade, os clientes do Cloud trabalham melhor, crescem mais rápido e criam empregos, e para isso contam com a nossa ajuda.
Mas é claro que nem todas as perguntas levaram a respostas bem-sucedidas. Em qualquer jornada de 25 anos, você enfrenta alguns obstáculos, aprende as lições e trabalha para fazer melhor. Lembra do Google Wave?
Também enfrentamos perguntas difíceis sobre o futuro da nossa empresa. Nos anos 2000, a pergunta era: “quanto tempo será que a web vai durar?”. Na década seguinte, as pessoas se perguntavam se o Google seria capaz de se adaptar à era da computação móvel, e se a Busca estaria chegando ao fim. Em todas essas ocasiões, nossas respostas nos tornaram ainda mais fortes. Seguimos guiados por um foco cirúrgico na nossa missão, pela nossa crença na ideia de que a ciência da computação pode melhorar a vida das pessoas – e por uma dose saudável de desrespeito pelo conceito de “impossível”.
Um saudável desrespeito pelo impossível
Esse desrespeito saudável é a razão pela qual decidimos enfrentar desafios que outros não conseguiram – ou não quiseram – encarar. Um exemplo: havia uma ideia impossível de colocar um computador bem potente no bolso de todas as pessoas, mesmo que tivessem diferentes rendas pessoais e graus variados de conectividade. Hoje em dia, o Android roda em três bilhões de aparelhos no planeta, desde os mais novos modelos dobráveis aos celulares mais simples. Um dos cernes do nosso trabalho é deixar a internet mais acessível para todos, e criar produtos ainda mais transformadores. Pensando nisso, os Chromebooks levaram a computação a escolas do mundo todo. Já o Google Pixel coloca na mão das pessoas o que nossa mais moderna tecnologia tem de melhor: aprendizado de máquina, câmeras de alta qualidade, reconhecimento de fala, capacidade de transcrição, chips do tipo Tensor e muito mais.
Tudo isso nos conduz à inteligência artificial. O Google investe em IA praticamente desde o início. Fomos uma das primeiras empresas a adotar aprendizado de máquina em nossos produtos, já no início dos anos 2000. Essa tecnologia era usada para corrigir erros de digitação, melhorar a qualidade dos anúncios, dar sugestões e recomendações.
Mais tarde, na década de 2010, a empolgação se voltou para as redes neurais profundas. Em 2012, fiz parte de um pequeno grupo que participou de uma demonstração numa sala perto do Charlie’s, o café que fica no campus do Google. Lembro da minha sensação de espanto quando a equipe de pesquisa mostrou o progresso no reconhecimento de imagens, impulsionado pelo avanço das redes neurais. Foi a primeira vez que pensei: “isso realmente vai mudar tudo!”
Tive uma sensação semelhante quando vi a pesquisa interdisciplinar e inovadora acontecendo na DeepMind, focada na compreensão da natureza da inteligência. Esse progresso influenciou profundamente meu pensamento, quando me tornei CEO em 2015, de que o Google deveria se transformar em uma empresa focada em IA.
Daí surgiram novas perguntas. “Como alimentar a computação da nova geração?”. Inventamos então as Tensor Processing Units, ou TPUs. Elas levaram a uma gigantesca melhoria de 30 ou 80 vezes no desempenho do aprendizado de máquina, em comparação com outros hardware da época. Além disso, alimentaram o computador AlphaGo, que em 2016 venceu Lee Sedol, campeão mundial do jogo Go. Mais ou menos no mesmo período, em 2017, lançamos o estudo Transformer, que se transformou num marco. Ele estabelecia a arquitetura de rede neural que serve de base para boa parte da IA generativa e dos grandes modelos de linguagem que temos hoje.
Muitas dessas tecnologias conduziram a nossos produtos mais inovadores. Os resultados da Busca para pesquisas complexas ficaram ainda mais úteis graças a grandes modelos de linguagem como MUM ou BERT. Criamos jeitos totalmente novos de fazer perguntas, seja por voz, por imagens ou até fazendo perguntas sobre o que a gente vê na nossa frente, usando a multibusca. Hoje, a IA generativa permite reimaginar nossos principais produtos de jeitos super interessantes – seja a nova Search Generative Experience (SGE) ou o recurso “Help me Write”, do Gmail. No início de 2023, lançamos o Bard, um experimento em fase inicial no qual as pessoas podem colaborar com uma IA generativa.
Para mim, uma das coisas mais gratificantes é ver a diferença que esses produtos fazem na vida das pessoas: pode ser um pai ou uma mãe que tira uma foto da gaveta de utensílios e pede que o Bard sugira uma atividade para fazer com uma criança num dia chuvoso; um turista que usa o Lens para traduzir a grade horária de trens no país que está visitando; ou, de forma mais profunda, uma família que finalmente consegue ouvir a voz de um parente portador de ELA (esclerose lateral amiotrófica) graças aos avanços na nossa pesquisa sobre reconhecimento e síntese de fala.
Criar produtos que ajudem as pessoas em grande escala é, a um só tempo, um privilégio e uma imensa responsabilidade. As pessoas têm suas próprias dúvidas: será que eu posso confiar nessa tecnologia? Dedicamos muito tempo e esforço para projetar tecnologias responsáveis desde a largada, para garantir que as informações das pessoas estejam seguras e protegidas, e para proteger usuários de quem usa a internet com más intenções.
Esse trabalho inclui participar de debates importantes sobre o impacto dessas tecnologias na sociedade, e buscar soluções conjuntas. A inteligência artificial é uma parte fundamental desse esforço. Embora o Google esteja muito animado com o potencial apresentado pela IA de trazer benefícios individuais e sociais, sabemos que ela (como qualquer tecnologia principiante) traz riscos e complexidade. Desenvolver e usar a inteligência artificial exige enfrentar esses riscos, e os avanços tecnológicos precisam ser responsáveis. Em 2018, lançamos nossos Princípios de IA, uma parte fundamental do trabalho na área. Eles trazem perguntas como: “A IA pode ser útil para as pessoas e trazer benefícios sociais? Ou será que pode causar algum tipo de prejuízo?”. Esses princípios também orientam o desenvolvimento de produtos e aplicações com IA, além de nos ajudar a encontrar soluções para as novas questões que surgem. Um exemplo: na semana passada, apresentamos o SynthID, uma ferramenta capaz de colocar uma marca d’água e identificar imagens geradas por IA. Esse recurso vai ajudar a enfrentar questões importantes relacionadas à transparência. Seguiremos trabalhando com especialistas e com toda a comunidade para continuar aprendendo e aprimorando nosso trabalho.
Olhando para o futuro
Olhando para frente, eu me pego refletindo sobre o compromisso estabelecido na carta de nossos fundadores, publicada em 2004: “desenvolver serviços que melhorem a vida do maior número possível de pessoas, em assuntos importantes”.
Graças à inteligência artificial, temos a oportunidade de fazer coisas importantes numa escala ainda maior.
Estamos apenas começando a entender o que a nova onda tecnológica é capaz de fazer, e a velocidade com que vai evoluir. Um milhão de pessoas já usa a IA generativa do Google Workspace para escrever e criar. Hoje, as previsões de enchentes já estão acessíveis para locais que abrigam mais de 460 milhões de cidadãos. Um milhão de pesquisadores já usou o banco de dados AlphaFold, que cobre 200 milhões de previsões sobre estruturas proteicas – ajudando a reduzir o uso de plásticos poluentes, a combater a resistência a antibióticos, a lutar contra a malária e muito mais. Já demonstramos que a inteligência artificial pode apoiar a indústria de aviação a reduzir a pegada das aeronaves, passo importante no combate às mudanças climáticas.
Mesmo assim, ainda temos muito a fazer. Com o tempo, a inteligência artificial vai se transformar na maior mudança tecnológica de nossas vidas – maior do que a transição de computadores de mesa para aparelhos móveis, e talvez até maior do que a internet, em termos de importância. A IA está essencialmente reescrevendo a tecnologia e acelerando a engenhosidade humana de uma forma inacreditável.
Deixar a inteligência artificial útil para todos, e desenvolvê-la de forma responsável, é a maneira mais decisiva de cumprir nossa missão ao longo dos próximos dez anos – e num futuro ainda mais longínquo.
E agora a IA permite fazer mais perguntas, do tipo:
“É possível dar a todos os alunos e alunas do planeta acesso a um tutor pessoal, em qualquer idioma, e sobre qualquer assunto?”
“Como ajudar empreendedores a desenvolver novas fontes de energia limpa?”
“Que ferramentas podemos inventar para apoiar outras pessoas na criação de novos produtos e novos negócios?”
“Como podemos repensar áreas como transporte ou agricultura?”
“Como ajudar populações a prever e se preparar para desastres naturais?”
À medida que essas novas fronteiras entram no nosso horizonte, enxergamos um convite renovado para agir com ousadia e responsabilidade, com o objetivo de melhorar a vida do maior número possível de pessoas – e de continuar fazendo muitas perguntas.
Nossa busca pelas respostas vai levar a avanços tecnológicos extraordinários ao longo dos próximos 25 anos.
Em 2048, se um adolescente em algum lugar do mundo olhar para tudo o que conquistamos com a inteligência artificial e sentir um pouco de indiferença, será sinal de que fomos bem-sucedidos. E será também hora de continuar trabalhando.
Muito obrigado por 25 anos inesquecíveis.
Sundar Pichai