Tecnologia e colaboração para proteger crianças na internet
A segurança online é uma preocupação crescente, especialmente quando envolve crianças e adolescentes. À medida que a internet se torna cada vez mais presente no dia a dia, garantir que o ambiente digital seja seguro para os mais jovens é uma prioridade que exige esforços coletivos. No Google, temos o compromisso de trabalhar em soluções que ajudem a prevenir abusos e a proteger aqueles que mais precisam de apoio.
Uma peça-chave nesse trabalho é a colaboração com autoridades e especialistas que atuam diretamente na identificação e no combate a crimes virtuais. Para trazer mais detalhes sobre estas iniciativas, conversamos com a Dra. Rafaela Vieira Lins Parca, delegada da Polícia Federal. Com uma carreira marcada pela dedicação ao combate ao abuso sexual infantil, Dra. Rafaela compartilha como ferramentas tecnológicas, incluindo o uso de inteligência artificial, têm potencializado as investigações e contribuído para a proteção de crianças e adolescentes.
O Google investe no combate à exploração e ao abuso infantil online e usa tecnologia para impedir, detectar, remover e denunciar conteúdo ofensivo nas nossas plataformas. No Brasil, denúncias feitas pelo Google chegam à Polícia Federal.
Nesta conversa, ela explica como os esforços do Google têm ajudado a Polícia Federal a detectar crimes, identificar responsáveis e, acima de tudo, resgatar vítimas. Também discutimos como as famílias podem se preparar melhor para proteger seus filhos e identificar sinais de possíveis riscos. É uma conversa (editada para fins de fluidez e concisão) que reforça a importância da tecnologia como aliada e nos lembra que todos temos um papel a desempenhar na construção de uma internet mais segura. Confira:
As medidas tomadas pelo Google para conter material de abuso infantil na internet têm algum impacto nas atividades feitas pela Polícia Federal? Poderia explicar melhor como isso funciona?
Dra. Rafaela - Nas atividades diárias relacionadas ao combate ao abuso sexual infantil, o Google envida esforços para proativamente detectar material de abuso sexual infantil que trafegue em suas redes, bem como para remover e produzir notícias de crime de qualidade para os órgãos de persecução penal. Isso faz com que a Polícia Federal consiga iniciar investigações e deflagrar inúmeras operações policiais, não só combatendo a disseminação desse tipo de material, mas também permite a identificação e prisão de produtores de material de abuso, o que enseja a identificação e o resgate de vítimas.
De que forma a PF vem usando tecnologias para o combate ao abuso infantil online?
É possível dizer que os crimes cibernéticos relacionados ao abuso sexual infantil são crimes massivos em virtude da grande quantidade de notícias crimes encaminhadas para os órgãos de persecução penal. Diante desse volume de dados, a Polícia Federal criou metodologias próprias, bancos de dados e ferramentas investigativas para correlacionar informações, identificar alvos de maior potencial lesivo, e para gerenciar os casos investigativos, evitando a duplicidade de esforços. Tudo isso provocou um aumento quantitativo e, principalmente, qualitativo dos resultados relacionados ao combate abuso sexual infantil nacional. Ademais, o uso dessas metodologias e ferramentas têm sido compartilhadas pela Polícia Federal com as polícias estaduais e com forças policiais de outros países, a fim de melhorar globalmente o combate a esse tipo de criminalidade.
Hoje em dia já é possível identificar e responsabilizar de forma mais rápida criminosos que atuam distribuindo conteúdo desse tipo?
Uma questão preocupante observada pela Polícia Federal tem sido o aliciamento de crianças e adolescentes online, seguida de ameaças para que as vítimas produzam imagens de conteúdo sexual de si mesmas ou até mesmo de automutilação, maus tratos contra animais ou vitimização de outras pessoas. São condutas que envolvem o chamado estupro “virtual” e a produção de material de abuso sexual infantil online. As vítimas, às vezes, passam meses sendo abusadas, sem conseguir quebrar o ciclo do silêncio e, portanto, sem conhecimento de seus familiares. A Polícia Federal, por meio de ferramentas e metodologias, têm direcionado seus esforços para detectar esse tipo de conduta e fazer cessar essa violência, que deixa marcas irreparáveis nas vítimas.
O que explica o aumento no número de denúncias relacionadas à pornografia infantil?
O aumento desse tipo de crime tenha acontecido por um conjunto de fatores:
- O uso excessivo de telas por crianças e adolescentes, sendo que crianças cada vez mais novas têm acesso à internet e redes sociais de forma desvigiada, o que as torna extremamente vulneráveis diante dos predadores online;
- O uso massivo da internet por menores de 18 anos, especialmente por meio de celular, faz com que tenham contato com conteúdos impróprios, com abusadores online, com grupos de pessoas adoecidas mentalmente e que se unem para vitimar crianças e adolescentes.
- As “facilidades” do cometimento desses tipos de crimes na internet (possibilidade de criar perfis falsos para aproximação das vítimas, possibilidade de anonimização da conexão do criminoso pelo uso de VPNs, Dark Web, aplicativos que não são amigáveis com as forças policiais etc);
- O excesso de exposição de crianças, adolescentes e seus familiares na internet e redes sociais, o que facilita a aproximação do criminoso com a vítima, uma vez que ele se utiliza dessas informações para ganhar confiança das crianças e adolescentes e até mesmo para ameaçá-las nos casos de gromming e sextorsion;
- A falta de diálogo e de relações de qualidade das famílias com seus filhos, especialmente no mundo corrido e atarefado que as pessoas se encontram. Isso tem deixado as crianças e adolescentes muito vulneráveis no ambiente online e também nos abusos “offline”.
Ademais, percebeu-se um aumento de casos de venda de material de abuso sexual infantil, o que provoca uma maior circulação desse tipo de material na internet. Somado a isso, esse aumento também pode ter ocorrido pelo esforço de algumas empresas provedoras na detecção, remoção e comunicação do conteúdo criminoso para os órgãos policiais. Portanto, acredito que junto do aumento de quantidade de material de abuso circulando na internet, também aumentou o poder de detecção desse tipo de material.
Com base em sua experiência, quais são as melhores dicas de prevenção que as famílias podem adotar para ensinar as crianças a identificar situações de risco e predadores online?
De forma muito sintética, podemos pensar em três estratégias que a família pode adotar junto a seus filhos para prevenir ou mesmo detectar esse tipo de situação:
Primeiro, conversar. Uma das melhores formas de proteger seus filhos e construir um bom vínculo é ter conversas significativas, abertas e contínuas que o ensinem e o ajudem a desenvolver o pensamento crítico, bem como a rejeição (como dizer não a solicitações indesejadas ou a não ceder em situações de pressão), habilidades sociais e comportamentais. Essas habilidades os ajudarão a fazer boas escolhas, desenvolver habilidades de resolução de problemas e estabelecer relacionamentos saudáveis.
Conhecer os aplicativos que as crianças/adolescentes usam e deixar que eles mostrem o que estão fazendo online e com quem estão se relacionando. Desde os primeiros acessos, estabeleça limites claros de uso da internet (e os motivos pelos quais está fazendo isso). E lembrar que os pais devem dar o exemplo! De nada adianta dar conselhos aos filhos se suas atitudes não corresponderem ao que está sendo dito. Além disso, o adulto de confiança deve corrigir qualquer culpa que a criança possa sentir e deve permanecer calmo diante de problemas trazidos; ajudar a criança ou adolescente a adotar medidas quando necessário (bloqueio, denúncias etc); ouvir sem julgamentos; e criar um plano de segurança para enfrentar situações futuras.
O segundo pilar dessa estratégia passa por conscientizar. Converse sobre os riscos que existem no ambiente online, ensine as táticas que os abusadores utilizam no ambiente online e offline, sobre privacidade (rede social restrita etc) e sobre relações saudáveis. Ensine a dizer não e a denunciar (postagens e pessoas), ser gentil e respeitoso, e sobre consequências de a criança se colocar em risco ou ter um comportamento inadequado.
Por fim, monitoramento. Use softwares de filtragem e monitoramento, eles podem ajudar a proteger as crianças de se depararem com conteúdo sexualmente explícito online e podem até notificar você caso as crianças recebam mensagens inadequadas. Verifique em cada site ou aplicativo as diferentes configurações de privacidade e filtragem. Tempo, atenção e conversa ativa são as melhores ferramentas para protegê-los. Seja transparente ao monitorar seus telefones e bate-papos privados. Esteja atento aos sites, jogos e aplicativos que seus filhos frequentam e peça a eles que mostrem como usam os aplicativos e jogos que usam.
Ao que pais e responsáveis devem ficar atentos para identificar se algo de errado está acontecendo com a criança na internet?
A revelação de abuso pode ser muito difícil para a vítima por inúmeras razões. Mas, normalmente, a criança ou adolescente dão sinais de que algo está errado. São muitos os sinais, mas o fato de ter um ou mais sinais presentes não significa imediatamente dizer que a criança foi abusada. É preciso entender que algumas dessas mudanças podem estar presentes por outras situações na vida da criança. Contudo, é importante que saibamos que essas ações ou mudanças no seu comportamento podem ser sugestivas de que algo não está bem, e que podemos (e precisamos!) fazer algo a respeito. Alguns sinais podem ser listados, mas não são exaustivos (os sinais vão depender se uma séries de fatores, como tempo de abuso, idade da vítima, proximidade do abusador etc):
- Mudanças comportamentais radicais, súbitas e incompreensíveis (oscilações de humor, agressividade, medo e/ou pânico, );
- Tendência a isolamento social, apresentando poucas relações com colegas e companheiros;
- Tristeza, abatimento profundo ou depressão crônica;
- Dor ou irritação na área anogenital ou alterações clínicas (corrimentos, sangramento, infecção de repetição etc.);
- Lesões nos órgãos genitais (hematomas, assaduras constantes);
- Doença sexualmente transmissíveis;
- Medo de pessoas ou lugares específicos (casa, escola etc.);
- Comportamento de cautela excessiva ou desconfiança;
- Comportamentos infantis repentinos (urinar nas calças, na cama, em local público);
- Dificuldade de concentração e queda de rendimento escolar
- Curiosidade sexual, interesse ou conhecimento súbito e não usual para sua idade sobre questões sexuais.
- Expressões de afeto sexualizada, ou mesmo certo grau de provocação erótica, inapropriados para crianças e adolescentes.
- Sensação de repulsa e nojo de si.
Em caso de descoberta de abuso sexual infantil na internet, quais atitudes tomar?
Do ponto de vista policial, a melhor forma é noticiar os fatos à Polícia, trazendo a maior quantidade de elementos e dados da conduta criminosa que permitam à polícia descobrir a autoria do delito.